AMOR BANDIDO! ( EMOCÃO AUTO DESTRUTIVA).

Sentada em minha varanda, tomando uma taça de vinho tinto, para enganar a tristeza, observo a imensidão do mar. Gaivotas voando livremente aproveitam o movimento dos ventos de outono. Os barcos sumindo de vista. A brisa morna aquecendo a minha pele, me convidando à preguiça. Preguiça gostosa. Não fazer nada. Nada mesmo! Deixar o corpo conduzir os desejos que emergem das vísceras. Observo pessoas caminhando. Outras correndo pelo calçadão da praia. Buscando oxigenar as células. Eu ali, parada em minha preguiça. Isso me dá certa culpa! Sou profissional da área da saúde e sei bem da necessidade que o corpo tem de se movimentar para reequilibrar a energia. Decido não ter culpa. Entrego-me às sensações. Fecho os olhos e me deixo levar. O sol vai aquecendo suavemente a minha pele. Os poros recebendo esse calor invadindo todos os pontos do meu organismo. Estou me sentindo meio entorpecida. Em meio a essa sensação, ouço o som de um navio passando e o  barulho das ondas cochichando histórias para a areia. Fico imaginando que histórias serão essas? Quantas dores. Quantos amores perdidos! Minha mente vive ancorando em temas angustiantes. Ando fugindo da tristeza, como louca. Agora me acontece essa! Não adianta. Esses sons vão me envolvendo e despertando momentos de uma paixão intensa vivida com você, Carlos. “Grande desilusão de minha vida”! Como eu sofri em suas mãos! De repente, retorna uma dor absurda em meu peito. Desesperada. tento fugir desviando os pensamentos. Não consigo! Já nem ouço mais o som das ondas. Só o som da sua voz invade todos os meus sentidos. Essa voz que sabia me enlouquecer. Quente. Energética. Tantas loucuras. Tantos desatinos. Promessas de paixão eterna. Quantas saudades meu Deus! Você é cruel. Não foi capaz de me perdoar uma única vez! Eu soube te perdoar tanto! Dava sempre uma nova chance para o nosso amor. Mas da última vez eu bem que te avisei. Não iria mais suportar a humilhação de ser traída. Você não levou a sério. Novamente me desrespeitou. Estava me sentindo sem identidade nessa relação doente. Quando incorpora esse seu jeito cínico e violento, que só você sabe ter, fica repugnante. Assustador. Tenho vontade de esganar você. Carlos a sua sedução acaba ali! Juro que não o reconheço. Muitas vezes pensei em ir dar queixa na delegacia da mulher. Desisti. Minhas amigas sempre diziam que eu parecia “MARIA SEM VERGONHA”. Perdoava sempre. Bastava você vir com essa sua voz dizendo coisas que eu queria ouvir. Minhas pernas bambeavam. Entregava-me ali mesmo. Estava enfeitiçada! Até nisso você era canalha. Sabia que esse era o meu fraco! Há algum tempo já estava concluindo que você não mudaria. Precisava sofrer na pele o preço de suas atitudes imaturas e inconsequentes. “Machão inveterado”, isso é você! Quer respeito, mas não dá. Não sabe o que é amar. Naquela tarde em que você chegou embriagado e com uma nota fiscal de motel no bolso da camisa, não briguei. Congelei o meu amor. Friamente arquitetei uma vingança à altura. Foi a primeira vez que resolvi dar um troco perfeito. Bem dado. Na semana seguinte sai com o Antônio, o seu rival dos tempos de colégio. Você detestava que ele me paquerasse, lembra? Queria que sentisse um pouco da dor que eu tinha guardado no peito, por todos esses anos. Fui ao mesmo motel em que você  foi! Precisava sentir o gosto de estar lá também. Desta vez a sua voz rouca e sensual não teve a expressão de sempre.  Confesso que nunca pensei que você reagisse assim. Nunca presenciei tanta fúria em um homem! Colocar um detetive atrás de mim? “Quem deve, teme”, né Carlos? Parecia uma fera ferida querendo atacar. Confesso que fiquei com medo. Pedi perdão. Tantas vezes te perdoei! Nada adiantou. Fiquei com a alma lavada. Coração partido. Nunca mais o vi. A vingança não alimentou o meu coração.  Nesses últimos dois meses, sonho acordada com você. Pra saciar a dor, durmo todas as noites ouvindo “YOU ARE MY LOVE” que você gravou, cantando no meu celular. Me pego aqui na varanda inundada em emoções confusas. Ambivalentes. Respiro fundo. O forte cheiro de maresia me arranca desse estado. Fico em pé, e percebo como o tempo passou. No horizonte, um por de sol lindo. A campainha toca:  Maria, a professora de yoga chegou. Vou tentar deletar das entranhas qualquer vestígio desse amor bandido. MARIA está me ensinando a ouvir o SOM SAUDÁVEL DO MEU CORAÇÃO!

E ELE NÃO MUDOU! (CARÁTER RÍGIDO).

Fui uma criança sonhadora e muito criativa. O mundo da imaginação  me estimulava a sair da pobreza em que vivia. Nunca tive uma boneca, nem uma pequenina, como normalmente toda menina tem. Resolvi esse problema adotando o meu travesseiro como minha filhinha em minhas brincadeiras de criança. Quando sozinha, eu o enrolava num pano qualquer  e desse jeito ela era o meu bebê. Ficava horas reproduzindo tudo que eu via minha mãe fazer com meu irmãozinho. Minha mãe dava um duro danado. Além de cuidar de seus dois filhos e da casa, ainda era costureira. Lembro dela horas a fio atrás daquela máquina. Muitas vezes percebi que chorava, quietinha no canto da cozinha, perto do fogão a lenha, onde ela fazia a macarronada mais gostosa do mundo. Todo domingo era dia de macarrão! Eu me deliciava. Não fosse o homem estúpido com quem ela se casou pela segunda vez,  acho que eu teria sido uma criança feliz. Quando ela se separou de meu pai eu tinha nove anos e um amor infinito por ele. Sofri muito com essa separação. Por ser criança, naquela época, não pude entender os seus justos motivos. Meu pai tinha muitas qualidades, era honesto e trabalhador. Não tinha formação. Trabalhava onde surgia chance. Não tinha tempo ruim para ele. O problema era o seu jeito duro e insensível de ser. Homem rígido. Pai carinhoso do seu jeito. Voz forte, que me transmitia muita segurança. Algumas vezes, muito medo. Nunca voltava atrás de uma opinião formada. Enxergava o casamento como um machão. Só ele decidia. A esposa não tinha espaço para isso. Anulava a identidade de minha mãe. Não valorizava os esforços contínuos que ela fazia em sua máquina de costura! Muito menos a percebia como mulher. Diga-se, uma bela fêmea. Com uma sensibilidade exagerada. Muito sonhadora, assim como eu. Um belo dia, ela  se encantou com o jornaleiro do bairro em que a gente morava. Um grande sedutor. Virou sua cabeça! Começou a fazer loucuras. Tenho na memória cenas de violência doméstica. Eu e meu irmãozinho nos escondíamos atrás da porta, até a briga acabar. Meu pai não queria a separação. Minha mãe não quis saber. Estava louca de paixão! Meu pai foi embora junto com a minha alegria. Passado pouquíssimo tempo, o jornaleiro entrou em casa. Estranhei e adoeci muito. Aquele homem desconhecido, querendo ocupar um espaço que não era o dele. ELE NÃO ERA O MEU PAI! “Afetos verdadeiros só se constroem ao longo da vida”. Rafael, meu padrasto, era um estrangeiro em minhas emoções. Ele não tinha o cheiro de meu pai, o seu olhar não me protegia.  Essa nova relação de minha mãe durou o tempo que dura a paixão, com muitos altos e baixos. Nunca consegui gostar dele.  Acho que nem ele de mim! Hoje compreendo que minha mãe idealizou em Rafael o homem de seus sonhos. Quando, na convivência, emergiu a real pessoa encoberta por toda aquela sedução, a máscara caiu. Então ela resolveu nunca mais ter alguém. Foi decidida. Ficou mais feliz assim.  Envelheceu sozinha. Ainda vive só! Hoje se dedica à caridade. Faz costuras para crianças carentes. A parte financeira ficou mais tranquila. Nada mais justo que eu e meu irmão a ajudemos. Cuidou da gente com tanto sacrifício e amor! Formados, cada um foi buscar sua realização e deu muito certo. Por outro lado, fiquei distante de meu pai por vinte e cinco anos. Durante esse tempo todo ele nunca mais me procurou. Sempre que  ele surgia em memoria, eu desviava o pensamento. Não queria sofrer! Fugia mesmo! Hoje, fazendo psicoterapia, viajando pelo meu coração, nasceu uma necessidade enorme de conferir o pai que tive. Alguma esperança brincava dentro de meus sentimentos. Será que ele havia sentido a minha falta? Será que havia mudado o seu jeito de ser? E o amor? Como louca iniciei uma busca desenfreada. Precisava saber de seu paradeiro. Se ainda estava vivo! Na verdade era um resgate de mim mesma. Tentar limpar amarguras ancoradas. Talvez continuar mais leve e resolvida. Depois de muitas buscas, veio a confirmação. Encontrei o meu velho, internado numa casa de repouso. Percebi em seus olhos uma imensa solidão. Tentei contato com aquela solidão. Não consegui! Ela fugia de mim. Num segundo momento, surgiu aquele olhar duro, tão conhecido em minha infância. Não desisti. Instintivamente, coloquei as suas mãos entre as minhas. Estavam meio frias, sem vida. Fui tocando-as com toda a delicadeza que os meus sentidos permitiram. Comecei a falar de amor. Algumas lágrimas rolaram em nossos olhos. Me aproximei um pouco mais. Contendo os meus soluços, com dificuldades, pude dizer “Eu te amo!”. Ele apenas me olhou no fundo dos olhos e apertou suavemente a minha mão. Essa foi a forma que conseguiu me falar de amor. Rapidamente, novamente, aquele olhar fugiu para sua conhecida  solidão! Acho que é nesse lugar que se sente mais seguro. Para ele nunca foi possível verbalizar o Amor. Constatei que ele não mudou! Continua ancorado na dificuldade de se expressar. Seus sentimentos ficaram prisioneiros de sua própria rigidez de caráter. Confesso que fiquei impotente. Rapidamente me apropriei  da vontade de o conhecer  melhor. Toda semana estamos nos vendo. Noutro dia até consegui que minha mãe fosse lá. Quem sabe esse meu velho, querido e rabugento, aprenda a falar de amor! SERÁ QUE UM BOM VINHO TINTO AJUDA?