QUADRO NA PAREDE! (DEVANEIO/DECISÃO).

Tarde fria e úmida. Gotas da chuva escorrendo pelos vidros das janelas. Parecem lágrimas de uma tarde triste! Luzes dos faróis  se refletem nessas lágrimas, despertando uma sensação muito estranha. Sinto que o coração ganhou um peso insustentável. Está disparado, buscando correr dessa angústia inesperada. Tento sair desse estado emocional, direcionando os pensamentos para o ambiente da sala, onde me encontro. Sentada no velho tapete bege; ansiosa, olho ao redor. Minhas pupilas buscam rapidamente algum ponto que me transporte a uma sensação mais leve. Muito ruim ficar assim! Volto os olhos a um quadro colorido, pendurado na parede, pertinho do piano. Ele sempre esteve ali. Só agora percebo os detalhes. Nunca o tinha visto assim! Fico fixada na expressão do palhaço, chorando de tanto rir.  Palhaço diferente! Tem um brilho estranho no olhar. Alegre e triste. Emoções misturadas que confundem a minha mente. Fico intrigada! O que será que ele esconde dentro de si? Que histórias? Expressão ambivalente que  mexe em sentimentos ambíguos, ancorados bem lá no fundo de meu peito. Chega um certo frio na barriga junto à saudade de morrer. Vida ingrata! Tudo que é bom escapa, vai embora. Tempos que não voltam. Lembranças intensas. Crianças brincando, correndo pela sala, atropelando os adultos, numa alegria genuína. Lembro que esse palhaço assustava a pequena Jana. Ela tinha medo. “Bicho papão”! Achava engraçado e cobria o quadro. Queria protege-la de fantasias ruins. Hoje eu a entendo melhor! Naquela época não cabiam falsidades. Tampouco inveja, competição ou qualquer sentimento tóxico. Tudo tão natural! Discussões eram como uma vitamina  que nutriam ainda mais os vínculos. Girassóis, roseiras e pardais! Sempre havia uma cor de fundo iluminando os contatos. Risos abertos. Palavras francas, algumas vezes duras, repassando a mensagem clara e bem dirigida. A confiança era tanta que nunca se duvidava do amor! A gente sabia que ele prevaleceria. Palhaço poderoso esse! Resgatando, agora, emoções  bloqueadas, escondidas pelo tempo. Tinha até me esquecido do tamanho da felicidade vivida. Porque será que as enterrei? É como se negasse ter vivido tempos tão incríveis. Talvez não valorizados. Pareço louca mesmo! As vezes duvido de mim. Sentada agora nesse tapete antigo, esse palhaço atrevido veio machucar meu coração. Reflito sobre as borboletas que enfeitam o seu chapéu. São azuis e amarelas. Fixo meus olhos nas borboletas azuis! Não sei porque. São quatro. Parece que querem voar e não conseguem. Fico com muita pena e, um tanto angustiada. Começo a chorar. Choro de raiva, misturado com compaixão. Decido não ficar nesse lugar! Quero mudar o meu astral. Desvio os olhos lentamente para as borboletas amarelas. Elas querem voar do chapéu do palhaço. Parecem mais espertas do que as azuis: não querem ficar presas naquele chapéu. Imediatamente me identifico com elas. Saio da ambivalência. SOU BORBOLETA AMARELA!