SABOR DO FIM! ( NARCÍSICO COMPULSIVO).

Festa entre amigos. Algumas pessoas muito acolhedoras. Outras, nem tanto.  Animação geral. Cumprimentos, sorrisos, exclamações! Surpresas repentinas. Música. Muita música rolando pelo ambiente. Todos os ritmos! Clima descontraído. Cada convidado chegando era uma algazarra só. Brincadeiras, risos fáceis. Muito, muito papo! Foi encarregado da caipirinha, Artur, o mais velho da turma. “Namarido” de Vitória. Todos gostavam de dar palpites na vida deles. Rotulavam o casal! Achavam que  viviam num conto de fadas. Uma coisa era verdade, formavam um casal esteticamente bonito, detalhe que  fazia um rebuliço nas fantasias dos invejosos de plantão. Entre os amigos do grupo rolava a maior gozação porque Artur foi eleito o tio da turma, com seus cinquenta e quatro anos. Virou tio dos trintões! A turma de Vitória, da faculdade, quem batizou e aderiu Artur no grupo, logo no início do namoro. Ela mais jovem que ele, dezessete anos, parecia uma menininha. Aparentava vinte. Motivo de “infelicidade” para Artur  e  seu narcisismo doentio. Existiam nos bastidores, comentários maldosos que o casal já tinha sido mais colorido, mais feliz. Na verdade, as coisas mudaram após resolverem morar juntos há dois anos. Artur começou a revelar o  lado doente de sua personalidade. (Transtorno da personalidade narcísica que manifesta um lado destrutivo, compulsivo na atitude de caráter. Transparece, normalmente, na intimidade da convivência). No social, são pessoas extremamente prestativas, comunicativas, vaidosas. Valorizam exageradamente o corpo. Sedutoras. Necessitam de admiração e elogios. Lutam para ser o centro de atenção, compulsivamente.  Dentro de casa, são  corrosivos, manipuladores, falsos e invejosos. Distorcem situações, para vantagem própria. ‘Baixa auto estima”. Não tem empatia e desconhece o que é respeito. Precisam ser bajulados para se sentirem valorizados. Vitória, não tinha essa informação, moça sonhadora, foi pega de surpresa pelo ácido Artur. Não imaginava essa metamorfose destrutiva vinda do homem que amava. Ele simbolizou por um bom tempo, o príncipe idealizado com o qual construiu sonhos de uma vida. A violência emocional em seu relacionamento, foi ficando insuportável. Vitória assustou-se. Muito ansiosa, pensou que fosse só um período de estresse, um mal passageiro. Enganou-se! Tudo que desse, era motivo para  o desiquilíbrio de Artur emergir. Pequenos detalhes no comportamento dela, acionavam a fúria dele, transformando a vida num inferno. Ela percebia o tamanho do problema, mas, não conseguia lidar com ele. Tornou-se vítima de si mesma, em nome do amor que achava que sentia. Evitava falar de si com Artur para não instigar brigas. Com tudo ele implicava. Vitória entrou na loucura de  começar selecionar assuntos que  massageassem o ego Artur, sabia que dessa forma teria um ótimo ouvinte e parceiro. Acontecia uma transformação gigante! Todo esse panorama confundia a cabeça de Vitória. Na verdade ela negava a realidade que vivia, tentando preservar a relação. Enquanto se auto enganava, abafava mágoas. Desesperadamente tentava resgatar dentro de si o Artur sorridente, brincalhão que conquistou seu coração, um dia. Essa memória servia como combustível para nutrir a relação. Só que a alegria durava pouco. O lado desiquilibrado do rapaz estava lá. Prestes a emergir a qualquer momento.  Gangorra emocional. Não dava mais para sustentar. Num dia em que estava muito angustiada, fazendo meditação, Vitória refletiu profundamente :- Aguentar um companheiro? Não!  Não é essa a proposta saudável de uma relação. Desde então, o desdém e falta de interesse de Artur, foi minando, lentamente, sonhos e desejos dessa moça simples que só queria ser feliz! Violência recorrente e crescente, levou Vitória a amadurecer e pensar em si. Queria sua vida de volta. Chegou ao fundo do poço. Decidiu! Descontruir um grande amor idealizado se fazia necessário. Não sofreria mais nas mãos daquele louco. Em meio à essa crise, surgiu o convite para um churrasco da turma da faculdade e de algumas outras pessoas, também. Vitória não titubeou. Queria ir. Respirar novos ares. Há algum tempo  não sabia o que era estar alegre e descontraída. Seria no sábado próximo, dia dos namorados. Foi preparada psicologicamente a resgatar, daquela data em diante,  sua alegria de viver. Seria um momento divisor de água! Se naquela noite houvesse mágoas, comportamento abusivo, que normalmente acontecia em situações assim, não iria mais se auto sabotar. Finalmente, chegou o sábado esperado! Noite da festa, Vitória, se fez linda. Vestiu seu jeans preferido. Camisa vermelha combinando com o azul  desbotado da calça jeans. Cabelos rebeldes, bagunçados, bem sexy. Cachos dourados, brilhando sob as luzes. Sandálias  rasteirinhas, rústicas. Queria dançar muito naquela noite! Olhou-se no espelho antes de sair. Adorou o que viu! Enquanto isso, o broxante Artur, mal percebeu a musa. Estava muito  ocupado consigo mesmo. Queria apenas se admirar no espelho em todos os ângulos. Vestindo camisa branca, de marca, finíssimo algodão e a  calça importada, acabada de comprar. O coitado nem desconfiava o perigo que corria naquela noite!  Como de praxe, foram no carro de Vitória. Chegando a  festa, depois de buscar aplausos e admirações de todos, Artur se propôs  fazer as caipirinhas da noite. Nisso o infeliz era bom! Muitos sabores! Deliciosas. Agradou a todos os gostos. A noite inteira. Menos o da mal amada, Vitória. Ele simplesmente a ignorou.  Queria atrair aplausos de fora. Agradar era sua arte de conquista.  Conversava com um. Com outro.  Bebia uns goles. De cá pra lá. De lá pra cá. Nesse meio tempo, Vitória engolia sua raiva crescente, enquanto ele exercia seu lado narcísico. Num dado instante da festa, chegou uma mulher, Estela, desconhecida da turma. Foi levada pelo grupo de estudantes que também estava lá.  O grupo dispersou-se. Estela ficou abandonada num canto da mesa nos fundos. Ela era aquele tipo chato que não para de falar. Carente.  Junto de Estela  havia um casal meio deslocado no ambiente, também. Eram pais do churrasqueiro. Convidados de última hora.  Estela única avulsa. “Lei de atração entre neuróticos”, Artur imediatamente se encaixou no vazio da Estela! Ele fez caras e bocas, o tempo todo. Responsabilizou-se pela solidão daquela mulher! Exagerado. Tentou preencher expectativas e desejos da desconhecida nos mínimos detalhes. Essa atitude exagerada, foi mobilizando em Vitoria sentimentos intensos, prestes a explodir. Vitória, até então, tinha conseguido disfarçar o que estava sentindo. Foi então que Artur passou por ela, direto, nem percebeu a sua presença. O sangue subiu! Com o rabo dos olhos ela acompanhou a ultima cena que suportaria vinda  dele. Foi patético! Carregava uma bandeja cheia de legumes assados, indo direto oferecer a desconhecida, Estela. Sangue subiu mais ainda! Enlouquecida de raiva, Vitória buscou sair da situação. Foi dançar à exaustão! Descontraiu-se. Ficou até mais solta. Dançou como uma louca umas quatro músicas. Soltou um pouco dos demônios que jogavam fogo em sua alma! Seus amigos achavam que ela estava bêbada. Só riam e dançavam na mesma cadência. Artur nem notou sua mulher na pista.  (Estela, naquela noite, serviu como um divisor de águas na vida do casal)! Gota d’agua que transbordou no copo! Numa pausa da dança, Vitória se recompôs. Aparente calma,  nem esperou a mulher alvo de sua raiva saborear o seu prato  preferido. Simplesmente, não conseguiu postergar a explosão contida  no peito. Dissimulada, buscou forças no mental. Fingiu estar tudo bem. Queria sair da festa, assim como  chegou: – linda e resoluta. Humilhação? Nunca mais. Com aparente calma, chegou bem pertinho de Artur, e, num tom baixo, firme e ameaçador, disse-lhe ao pé do ouvido:- Vamos embora, agora! Ele surpreendeu-se com a desconhecida postura de Vitória. Arregalou os olhos, como um cachorro assustado, colocou o rabo entre as pernas e obedeceu. Chegaram calados no estacionamento. Vitória ao abrir a porta do carro,  parou. Olhou fundo nos olhos de Artur. Ficou por uns instantes focando seu olhar. Artur, numa expressão estranha perguntou se estava tudo bem. Vitória esboçou um sorriso amargo, e, num ímpeto, repentino, deu seu grito primal:- Estou me libertando de sua loucura. Canalha, doente! Estou me libertando de você. Some! Fechou a porta do carro e deu partida. Artur, calado. desnorteado, foi andando. Passos lentos na noite escura… HOJE, VITÓRIA FAZ JUS AO SEU NOME. REINVENTOU-SE!