A MENDIGA E EU! ( REVOLTA DO SOCIAL).

Tarde quente de verão. Sol meio escondido entre nuvens ameaçadoras. De vez em quando seu clarão surgia em pequenos espaços entre elas. Brisa suave do mar aliviava o calor.  Olhei pela sacada do meu apartamento. Queria ver se dava tempo de caminhar antes da chuva. Dúvida. Resolvi arriscar. Caminhada pela praia, com passos acelerados, é um santo remédio. Alivia estresse. Bom para corpo e o coração. Amplia a consciência. Respiração rápida desintoxica. Acelera o metabolismo. “A alma agradece morar numa casa mais leve”! Coloquei o velho tênis branco. Não por falta de opções. Tantos presentes e compras por impulso. Mas não tem jeito. Adoro o conforto do velho tênis. Vesti um shorts largo, camiseta branca. Tudo muito confortável! Lá fui eu apressadamente aproveitar o tempo, antes da chuva cair. No calçadão, embaixo de uma das muitas árvores, bem encostada ao tronco, uma mendiga andrajosa. Pele do rosto, braços e pernas escaldados pelo sol. Chocante! Ela olhava para o NADA. Suas roupas de uma sujeira única. Cabelos endurecidos pelo pó e fuligem da avenida. “Muita escuridão naquela imagem humana”. Cortou meu coração. Parei por uns segundos em frente a ela. Senti uma necessidade enorme de ajudá-la. Refleti rapidamente de que forma poderia fazer isso. A mendiga nem percebeu minha presença. Continuava olhando para o vazio. Pessoas passavam por ali fazendo seus exercícios, despreocupadas e indiferentes. Não notavam sua presença. Como se ela não existisse. Essa exclusão social e esse estado de miséria, revelado naquele quadro, me entristeceu muito. Como pode um ser humano se alienar tanto? Que experiências o levaram a esse ponto? E suas fontes de afetos? Fiquei imaginando a extrema solidão em que vivia. Esses pensamentos provocaram em meu interno intensos questionamentos sobre a vida. Sobre o comportamento das pessoas. ” O MUNDO PODE SER MUITO CRUEL!”. Essas sensações foram muito intensas. Tinha que fazer algo. Interrompi a caminhada. Voltei rapidamente para casa. Montei uma sacola com frutas, lanches e sucos. Achei que aquela mulher estava desidratada. Os sucos lhe fariam bem! Algum dinheiro para necessidades imediatas! Coloquei-me em seu lugar. Senti uma intensa  revolta e desamparo. Uma estranha no ninho humano. Com sensação de dever cumprido, peguei o elevador e fui ao encontro da mendiga. Atravessei a avenida movimentada. Muitos carros e ônibus naquela hora. Atravessei rapidamente, assim que o farol se abriu para mim. Estava ansiosa. Queria ajudá-la logo. Isso aliviaria o meu coração. Estava muito mobilizada emocionalmente. Assim que cheguei bem perto dela, sua expressão me surpreendeu. Assustou! Mesmo assim, fiz a oferenda com todo o carinho que estava em mim. Nossa! Fiquei perplexa! Recebi uma reação de hostilidade imensa. Um olhar frio. Rejeitou todos os alimentos que lhe ofereci: -“Não. Não quero!” Repetiu várias vezes essa frase. Seu olhar e sua voz foram ficando mais duros à medida que minha insistência aumentava. Fiz com a cabeça um sinal que a entendia. Numa última tentativa, perguntei baixinho: – Nem o dinheiro? Aquele olhar duro, fixou o meu. Em tom agressivo e ameaçador disse:- Caramba já disse que não! Desviou novamente o olhar e fixou no vazio. Entendi que estava decidida. Entendi também que tentou me mostrar orgulho e dignidade a seu modo. É como se eu a estivesse desrespeitando.  Invadindo sua privacidade. Ali, colocou o seu limite. Foi claro que  seu gesto estava dizendo que não tinha pedido nada daquilo que eu estava querendo lhe dar. Senti que estava me mostrando um certo desprezo pela minha ajuda.! “Eu era mais uma das que não conseguiam tocar o seu coração”.  Ela ainda tinha forças para se defender. Enxerguei  uma mulher forte, guerreira. Revoltada. Sua atitude falou de um coração sofrido. Miseravelmente maltratado pela vida. Quem sabe de seus amores! Quantos os caminhos percorridos? Chorei! Compreendi. Sua fome vinha da alma. Escura e destruidora. Fixada na energia do ódio. Ela conseguia expor apenas o instinto machucado. “ANIMAL FERIDO NUMA SELVA DE PEDRA!”.

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